Queridos irmãos, não tive tempo de preparar um estudo sobre a primeira lição, estou disponibilizando um conteudo retirado do livro PANORAMA DO NOVO TESTAMENTO, ROBERT H. GUNDRY.
EXCURSO SOBRE O REINO, NO ENSINO DE JESUS
Com a exceção parcial de Lucas, os evangelhos deixam de ressaltar os termos evangelho ("boas novas") e pregar o evangelho (ou evangelizar), mas ressaltam antes o tema do reino. Exatamente o contrário disso se verifica no livro de Atos e nas epístolas.
“Céus” e “Deus”.
A mensagem inicial, tanto de João Batista quanto de Jesus, enfocava o reino. Com freqüência, as designações "de Deus" e "dos céus", qualificam o termo "reino". Tais designações são sinônimas. E um uso paralelo ocorre até dentro de uma mesma passagem. Por exemplo, em Mateus 19:23,24, Jesus diz que é muito difícil um homem entrar no reino dos céus; tão difícil, de fato, que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus. Tais designações, por semelhante modo, se alternam nas narrativas paralelas de diferentes evangelhos. Por exemplo, "porque dos tais [das criancinhas] é o reino de Deus" (Marcos 10:14), que se torna em "... dos céus", em Mateus 19:14. Somente o evangelho de Mateus contém a expressão "reino dos céus", porquanto Mateus, ao escrever para judeus, refletiu o crescente costume judaico de evitar os nomes divinos, temendo profaná‑lo. Nesse caso, "céus" é substituição para "Deus", tal como o filho pródigo dissera; "Pequei contra os céus", isto é, contra "Deus", e tal como algumas pessoas até hoje dizem: "Pelo amor dos céus", ao invés de "Pelo amor de Deus". Ou a expressão de Mateus "reino dos céus" representa a frase de Jesus, que os demais evangelistas traduziram por "reino de Deus", por causa de leitores gentios, que não entenderiam o uso de "céus" em lugar de "Deus"; ou então Jesus usava regularmente a expressão "reino de Deus", mas Mateus a substituiu por "reino dos céus", em deferência para com seus leitores judeus. Mas também é possível que Jesus tivesse usado ambas as expressões, no qual caso a Sua escolha dependia de Sua audiência e da ênfase que Ele desejasse dar. O uso do termo "céus" frisa levemente a soberania divina.
Definição.
O vocábulo reino tem dois sentidos primários: (1) a esfera de domínio; e (2) a atividade de reinar. Por causa da idéia verbal constante no segundo sentido, muitos eruditos dão preferência à tradução, "o reino, ou governo, de Deus". Ambas as idéias se fazem presentes no uso que o Novo Testamento faz da palavra reino. O fluxo de pensamento, no contexto, é que determina qual dessas significações predomina. O conceito geral de reinar inclui a idéia de livrar os súditos e a idéia de prodigalizar‑lhes bênçãos, além da idéia de exercer autoridade sobre eles.
Escatologia realizada.
João Batista e Jesus (a princípio) diziam que o reino estava "próximo", e que as pessoas deveriam preparar‑se para o mesmo mediante o arrependimento (vide Mateus 3:2; 4:17 e Marcos 1:14,15). Estando já em andamento o Seu ministério, Jesus começou a dizer que o reino já chegara. "Se, porém, eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (Mateus 12:28 = Lucas 11:20; comparar com Mateus 11:12,13= Lucas 16:16 e 17:20,21). Em outras palavras, o governo divino estava invadindo este mundo através da pessoa e das atividades de Jesus. Por conseguinte, é mister que alguém entre no reino por meio da fé em Cristo (João 3:3). A ênfase posta sobre a chegada do reino, por ocasião do primeiro advento e do ministério de Jesus, se chama "escatologia realizada", sendo tal designação associada a C. H. Dodd.
Escatologia consistente.
Jesus também falou sobre a chegada do reino, mas segundo outro quadro mental, considerando‑o como algo ainda futuro, a realizar‑se no fim da era presente: "... até aquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus" (Marcos 14:25); "muitos virão... e tomarão lugar à mesa... no reino dos céus" (Mateus 8:11 = Lucas 13:28,29). A petição que Jesus ensinou a Seus discípulos, para que a incluíssem em suas orações, "venha o teu reino", também subentende que o reino ainda não chegou. A ênfase exclusiva sobre a vinda futura do reino é intitulada "escatologia consistente", estando associada especialmente com Albert Schweitzer. O próprio Schweitzer, naturalmente, não cria na escatologia consistente, mas argumentava que o próprio Jesus assim acreditava e ensinou.(A Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus, 3ª edição, traduzido por W. Montgomery, Londres: Adam & Charles Black, 1954, especialmente os capítulos XV ss.)
O mistério do reino.
Tanto a idéia da escatologia realizada quanto a da escatologia consistente recebem o apoio de convincentes textos de prova. Há fortes evidências de que Jesus ensinou formas tanto presentes quanto futuras do reino. Portanto, o "mistério" do reino consiste do fato que, antes de sua plena manifestação sobre a terra, quando da Segunda Vinda de Cristo, desde agora os crentes já desfrutam das bênçãos futuras da vida eterna, como uma antecipação.
O Reino, Israel e a Igreja.
Em Sua pregação, Jesus ofereceu o reino de Deus aos judeus; porém, com base espiritual no arrependimento e na fé individuais, e não sobre bases político‑nacionalistas. Ao repelir a Jesus, a maioria dos judeus, incluindo os líderes oficiais do judaísmo, rejeitou ao governo divino por intermédio do Messias. Em conseqüência disso, Deus transferiu o Seu reino para a Igreja (vide Mateus 21:42,43; comparar com Colossenses 1:13; Romanos 14:17; Atos 8:12; 28:23, 28‑31), até à restauração de Israel (vide Mateus 19:28).(Vide ainda os três livros de G. E. Ladd, The Gospel of the Kingdom, Grand Rapids: Eermdans, 1959; Jesus and the Kingdom, Nova lorque: Harper & Row, 1964: e Crucial Questions about the Kingdom of God, Grand Rapids: Eerdmans, 1952; e A. J. MCClain, The Greamess of the Kingdom, Grand Rapids: Zondervan, 1959, quanto a uma perspectiva mais ampla.)
Parábolas.
Jesus reduziu à forma de parábola grande parte dos Seus ensinamentos sobre o reino. As parábolas são figuras de linguagem mais ou menos extensas, geralmente sob o formato de uma estória. No passado, os intérpretes costumavam atribuir sentidos alegóricos e a cada detalhe existente nas parábolas. O mundo da erudição, mais tarde, voltou‑se para a idéia, sob a insistência de Adolf Jülicher, de que cada parábola contém apenas um ponto didático, e que os demais detalhes servem tão‑somente para emprestar maior realismo às parábolas.(A. Jülicher, Die Gleichnisreden Jesu, 2 volume, Tübingen, 1910. Quanto a grande riqueza de informações sobre o pano‑de‑fundo das parábolas, ver J. Jeremias, As Parábolas de Jesus, Ed. Paulinas, SP.) Nos dias em que vivemos, entretanto, cada vez melhor se percebe que a distinção entre uma parábola com um único ponto didático e uma alegoria de múltiplas facetas é uma distinção artificial. É necessário que cedamos lugar a certos aspectos alegóricos nas parábolas, sobretudo nas mais longas.
Jesus, ao falar em parábolas, tinha por escopo obscurecer a verdade sobre o reino sob uma linguagem figurada, no caso de incrédulos que se recusavam a dar ouvidos às Suas palavras claras, bem como ilustrar a verdade, no caso de discípulos Seus, para os quais Ele explanou pelo menos as parábolas mais elaboradas. As parábolas faziam parte distintiva do estilo de ensino de Jesus. Ele é o único a lançar mão de parábolas, em todo o Novo Testamento ‑ o que serve de forte indicação de autenticidade, porquanto as parábolas também figurariam em outras porções do Novo Testamento, se elas tivessem sido um método didático empregado pela Igreja primitiva, para mais tarde terem sido postas nos lábios de Jesus, pelos escritores sagrados.
A semente e os solos.
"A parábola do semeador" (vide Mateus 13:18) pode ser um título ilusório, se for erroneamente usado na interpretação. O semeador nem ao menos é identificado na interpretação. A ênfase inteira da parábola recai sobre a própria semente, a qual representa a palavra, ou mensagem do reino, e sobre os diferentes tipos de solo, que apontam para diversas maneiras pelas quais a mensagem é acolhida pelos homens. Talvez pareça estranho que o semeador tivesse desperdiçado sementes por entre os espinhos, nos lugares pedregosos, e, sobretudo, à beira dos caminhos. Mas os aldeões abriam picadas através dos campos, devido à ausência de um sistema de rodovias, e os agricultores palestinos, ao que parece, não aravam a terra antes do plantio, mas depois. Além disso, dificilmente ele poderia prever onde haviam ficado ocultas as sementes lançadas ao solo, a fina camada de solo também impedia que ele percebesse as rochas abaixo da superfície, noutras porções do campo. Os pássaros mergulhavam a fim de apanhar as sementes que ficassem expostas sobre o terreno endurecido dos caminhos. Após a lavragem, a semente caída em solo de pouca profundidade germinava primeiro, porquanto só lhe restava uma direção para desenvolver‑se, ao mesmo tempo que o calor absorvido pelas rochas abaixo da superfície fazia as plantas germinarem mais rapidamente. Porém, a ausência de profundidade do solo logo ressecava os brotos e os fazia morrer. Em outras áreas as sementes de espinhos e abrolhos ressequidos no ano anterior eram revolvidas, durante a lavagem, juntamente com a boa semente. E as sementes daninhas germinavam e sufocavam as tenras plantinhas de cereal. Finalmente, porém, o bom solo produzia uma colheita compensadora.
O ponto frisado nessa parábola é que o governo divino, trazido por Jesus, a princípio não coage os homens à submissão, como que debaixo de espada. Isso só ocorrerá quando da volta de Cristo, depois que os homens tiverem recebido a oportunidade de crer voluntariamente. Por enquanto, bem ao contrário, Deus acha por bem introduzir o Seu reino através de meras palavras, pela pregação do evangelho, ou (figuradamente), pela semeadura. Agora tudo depende do tipo de receptividade que os homens derem a essa mensagem. Alguns, à semelhança da terra batida, não permitem que a palavra penetre. O resultado disso é que Satanás imediatamente a arrebata. Outros, à moda do solo rochoso e sem profundidade, recebem a palavra com entusiasmo, mas de maneira apenas superficial. Em resultado, desistem de sua profissão de discipulado, ao ocorrerem dificuldades ou a perseguição. Ainda outros permitem‑se entregar aos afãs seculares, o que serve para neutralizar a palavra. E finalmente, alguns recebem a palavra com seriedade, com profundeza, sem reservas. E os resultados desta última atitude são compensadores: “a trinta, a sessenta e a cem por um", palavras essas que indicam que tantas e tantas vezes mais sementes serão colhidas do que aquelas que foram semeadas. A proporção de trinta por um perfazia a média. Sessenta por um era colheita excelente. E cem por um, extraordinária (comparar com Gênesis 26:12). O que Jesus desejava ensinar é que no fim, ao ter lugar a colheita, que é o Seu retorno, a palavra do reino terá produzido resultados favoráveis além de toda a expectativa.(Quanto a um cálculo fantástico sobre a produção agrícola durante a era messiânica, ver o livro siríaco de Baruque 29:5, onde se lê que a produção será de dez mil por um. Cada vinha deitará mil ramos, cada ramos, cada ramo mil cachos, cada cacho mil uvas; e cada uva produzirá um coro de vinho. (O coro é uma medida de quantidade incerta, provavelmente dentro dos limites entre 130 a 230 l.)) Ler Marcos 4:1‑25; Mateus 13:1‑23 e por Lucas 8:4‑18 (§ 64, introdução e subseção 1a).
A semente em desenvolvimento.
Ler Marcos 4:26‑29 (§ 64, subseção 1 b). Na parábola da lavoura em desenvolvimento, a semente germina e se desenvolve sem o concurso de qualquer poder criativo por parte do lavrador, e osso desafia o seu entendimento. Dessa maneira, pois, Jesus nega que o reino venha a tornar‑se realidade por meio do esforço ou das realizações humanas. Deus, com exclusividade, é que o produzirá, à parte das tentativas de zelotes por precipitarem o reino mediante a revolução e à parte dos tentames de rabinos e outros, que buscam induzi‑lo através da perfeita observância da lei mosaica. Isso destaca ante a nossa atenção a plena manifestação e o estabelecimento do reino, por ocasião do retorno de Cristo, o que é indicado pelas alusões à colheita. A ordem das palavras, dentro da expressão, "dormisse e se levantasse, de noite e de dia", reflete o conceito judaico de um dia de vinte e quatro horas, a contar pelo cair da tarde.
A semente de mostarda e o fermento.
Ler Mateus 13:24‑53 e Marcos 4:30‑34 (§ 64, subseção 1 c‑2 e ). Os judeus esperavam que o reino de Deus fosse inaugurado entre deslumbrantes manifestações de glória, com vitórias militares sobre os poderes gentílicos. Os supostos primórdios do reino, dentro do ministério de Jesus, parecia‑lhes singularmente destituídos de importância. Mas a parábola da semente de mostarda, quase invisível, que se desenvolve em um arbusto suficientemente grande para as aves do céu se aninharem sob os seus ramos, indica que, embora o reino possa ter começado com grande modéstia, quando do primeiro advento de Cristo, contudo, no fim será extremamente ponderável. A parábola do fermento aponta na mesma direção. Três medidas de farinha equivale a cerca de 23 kg de farinha, uma imensa quantidade se for considerada como uma única fornada de farinha! Dessa maneira, portanto, Jesus sublinhou a lição dada pela parábola: por enquanto o reino pode ser comparado com uma mera pitada de fermento em uma volumosa massa de farinha, mas, por fim, o reino dominará a terra inteira. Naturalmente, Jesus não quis dar a entender que os Seus Discípulos conseguiriam converter a todos os homens. Antes, quando de Sua volta, o reino envolverá o mundo inteiro. (Outros interpretam o fermento como símbolo do mal, que corrompe a cristandade. É verdade que noutras passagens o fermento regularmente simboliza o mal, mas a associação com a parábola da semente de mostarda e com o crescente desencanto dos judeus com Jesus, no tempo em que Ele proferiu a parábola, favorecem a interpretação acima, segundo a qual Jesus teria afirmado que o reino já está presente, a despeito de sua relativa falta de importância. Outras figuras de linguagem ocorrem com sentidos claramente diferentes, em diversos trechos. Por exemplo, o sal representa variegadamente a incorrupção, a fidelidade e o juízo (vide Mateus 5:13: Marcos 9:49,50; Lucas 14:34; comparar com Colossenses 4:6). Jesus pode ter escolhido aqui, propositalmente, uma figura de linguagem que usualmente tem um sentido negativo, a fim de salientar o ponto que o reino de Deus é mais ativo e poderoso do que o reino maligno de Satanás. Alguns também têm pensado que as aves do céu, da parábola da semente de mostarda, representam os falsos mestres que invadem a Igreja. Mas a fraseologia se deriva do sonho de Nabucodonosor (vide Daniel 4:12,21), onde o fato que as aves tinham feito ninhos em seus ramos indubitavelmente aponta para as grandes dimensões da árvore.)
O tesouro e pérola.
As parábolas gêmeas do tesouro descoberto e da pérola de grande valor não nos emulam tanto ao heróico auto‑sacrifício, e, sim, à jubilosa total dedicação ao reino de Deus, através da percepção de seu valor final, na era vindoura. Em face disso, nenhuma privação é, realmente, um sacrifício. Reiteradas invasões da Palestina fizeram pessoas temerosas enterrarem seus tesouros, a fim de resguardá‑los. Neste caso, aquele que enterrara o seu tesouro evidentemente morrera ou fora morto, pelo que o tesouro não tinha proprietário algum. Sob a legislação da época, era perfeitamente ético para o descobridor de um tesouro assim ocultá‑lo novamente e adquirir o campo, a fim de obter legalmente o tesouro.
O trigo e o joio; os peixes bons e maus.
As parábolas gêmeas do trigo e do joio (uma espécie de erva daninha) e dos peixes bons e maus, apanhados numa mesma rede, ensinam‑nos que enquanto o reino de Deus não se tornar plenamente dominante, o que sucederá quando do retorno de Cristo (a colheita), coexistirá no mundo juntamente com o reino de Satanás. Noutras palavras, a separação ocasionada pelo juízo não haveria de ocorrer imediatamente, conforme esperavam os judeus, em termos nacionalistas. Ordinariamente o joio era arrancado fora. Neste caso, entretanto, aparecem em tão grande número que suas raízes se embaraçam com as raízes do trigo. As redes de arrastão eram ou arrastadas mediante o emprego de dois botes, ou eram lançadas por um bote e arrastadas para a terra por meio de duas longas cordas. Os peixes ruins eram peixes cerimonialmente imundos, de acordo com a legislação mosaica, por lhes faltar escamas ou barbatanas, além de outras criaturas marinhas que os judeus não reputavam comestíveis.
Fonte: PANORAMA DO NOVO TESTAMENTO, ROBERT H. GUNDRY
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