Por: John Stott
Como é uma igreja viva?
É natural que para responder esta pergunta,
voltemos ao relato de Pentecostes no livro de Atos. É bom que sejamos realistas
na leitura. Costumamos ver a igreja primitiva com uma atitude idealista,
romântica. Nos maravilhamos com seu ímpeto evangelístico, seu impacto
transformador no mundo. Falamos dela com admiração, como se não tivesse
defeito; nos esquecemos as heresias, as hipocrisias, as rivalidades e
imoralidades que perturbavam a igreja primitiva tanto quanto a perturba hoje.
Contudo, existe algo evidente: essa igreja primitiva em Jerusalém foi
profundamente renovada pelo Espírito Santo. Qual era a evidência da presença e
do poder do Espírito Santo? Se pudermos responder esta pergunta, poderemos
também responder outra: Qual é a evidência da presença do Espírito Santo na
igreja de hoje?Lucas descreve quatro marcas de uma igreja cheia do Espírito.
Esses são traços que deveriam caracterizar a toda igreja aberta para a presença
e o poder do Espírito Santo.
Ensinamento apostólico
Esta primeira característica é surpreendente e
não muitas congregações a teriam em conta hoje. A igreja viva é uma igreja que
está aprendendo, uma comunidade que estuda.
A primeira coisa que Lucas disse sobre esta
igreja renovada pelo Espírito é que ela perseverava na doutrina dos apóstolos: “E
perseveravam na doutrina dos apóstolos” (Atos 2:42).
Poderíamos dizer que, no dia de Pentecostes, o
Espírito Santo abriu uma escada para a igreja. Os mestres da escola eram os
apóstolos, a quem Jesus tinha escolhido e treinado: e havia três mil
estudantes... na realidade, meninos do jardim de infância. Estes recém nascidos
para a fé, convertidos e cheios do Espírito Santo, não estavam dedicados a desfrutar
de uma experiência mística que os fizera se esquecer ou de arrazoar sobre o que
criam. Pelo comentário, perseveravam na doutrina dos apóstolos e queriam
aprender tudo o que fosse possível. Tinham fome da verdade e queriam sentar-se
aos pés dos apóstolos e absorver seus ensinamentos.
A plenitude do Espírito Santo é incompatível com
o antiintelectualismo. O Espírito de Deus é Espírito de verdade. Esse foi um
dos títulos que Jesus mesmo o deu ao Espírito. Se quisermos estar cheios do
Espírito, sua verdade será importante para nós.
Aqueles crentes primitivos não pensaram que
bastava para eles a presença do Espírito Santo em seu interior para conhecer a
verdade. Não deram por certo que, por haver recebido a plenitude do Espírito
Santo, este era o mestre que precisavam, e que poderiam prescindir dos mestres
humanos. Não foi assim na igreja primitiva. Os novos crentes sabiam que Jesus
havia nomeado aos apóstolos para que fossem mestres da igreja, e procuravam aprender
todo o possível e perseveravam na sua doutrina.
Como se aplica isto à igreja de hoje? O que
significa para nós perseverar na doutrina dos apóstolos, ser fiel em conservar
seus ensinamentos? Entendemos que já não há apóstolos na igreja. Pode haver
ministérios apostólicos, como os que realizam missões, os plantadores de
igreja, os líderes. Estas pessoas exercem ministério apostólico mas não podemos
os chamar apóstolos. Ninguém na igreja atual tem uma autoridade comparada a de
Paulo, Pedro ou qualquer dos apóstolos de Jesus Cristo. Eles tinham uma
autoridade única para ensinar em nome de Jesus e ninguém tem essa autoridade
hoje. Então, se não há apóstolos na igreja contemporânea, como nós podemos nos
submeter aos ensinamentos dos apóstolos? Seus ensinamentos chegaram até nós
pela Bíblia. O Novo Testamento é precisamente isso: os ensinamentos dos apóstolos.
Esta é a única classe de sucessão apostólica em que cremos, a continuidade da
doutrina apostólica por meio do Novo Testamento.
Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja
bíblica, uma igreja neotestamentária, uma igreja apostólica. Nela se ensina as
Escrituras. Os pais ensinam a Bíblia aos filhos. Os membros da igreja lêem e
refletem sobre as Escrituras todos os dias. O Espírito de Deus dirige o seu
povo a submeter-se à Palavra de Deus, e quando o faz, essa igreja se remova com
a presença do Espírito Santo.
Comunhão e ajuda mútua
A segunda marca de uma igreja viva que
descobrimos na leitura de Atos é o amor e o cuidado mútuo entre os crentes. Se
a primeira marca é o estudo, a segunda é a comunhão.
A palavra comunhão que utilizam algumas versões
é a tradução de koinonía. Este termo descreve aquilo que temos em comum,
o que compartilhamos como crentes em Cristo. Isto se refere a duas verdades
complementares.
Em primeiro lugar, compartilhamos a graça de
Deus. O apóstolo João começa sua primeira carta com estas palavras: “Nossa
comunhão é com o Pai e com o Filho, Jesus Cristo...” Paulo fala da
comunhão que temos com o Espírito Santo. A comunhão autêntica é uma comunidade
trinitária. Nós os crentes participamos em comum no Pai, no Filho e no Espírito
Santo.
Há um segundo aspecto da koinonía.
Também temos em comum o que damos. Este é o aspecto que Lucas dá ênfase. Em
suas cartas, Paulo usa esta mesma palavra, koinonía, para
referir-se a uma oferta que estavam dando as igrejas. O adjetivo koinónico
significa “generoso” e, nesta passagem, Lucas descreve a generosidade
dos cristãos primitivos:
Esta passagem nos perturba. Preferimos salta-la
para evitar o desafio que ela encerra. Devemos imitar literalmente estes
crentes? Quis Jesus que todos seus seguidores vendessem suas possessões e
repartissem o que obtivessem delas? Sem dúvida, o Senhor chamou a alguns de
seus discípulos a uma pobreza voluntária total. Esse é o chamamento que fez ao
jovem rico, por exemplo. A ele, Jesus disse expressamente que vendesse tudo e o
desse aos pobres. Este foi também o chamado de Francisco de Assis, na idade
média, e provavelmente é o chamado de Madre Tereza, em Calcutá. Eles nos
recordam que a vida não consiste na abundância dos bens que possuímos. Mas não
todos os discípulos de
Cristo são chamados a isso. A proibição da
propriedade privada é uma doutrina marxista, não cristã. Mesmo na igreja em
Jerusalém, a decisão de vender as propriedades e dar tudo
foi uma questão voluntária. Quando passamos para
o versículo 46, lemos que os crentes se reuniam “em suas casas”. Quer
dizer, continuavam tendo casa e propriedades pessoais. Pelo visto, não haviam
vendido todas as casas, seus móveis e suas propriedades! Contudo alguns tinham
casas, e os crentes se reuniam nelas.
Não obstante, não devemos evadir do desafio
destes versículos. Alguns suspiram com alívio porque não sugeri que devemos vender
tudo e repartir-lo. Mas, mesmo que não seja nosso chamado particular, todos
fomos chamados a nos amarmos mutuamente como faziam aqueles cristãos.
O primeiro fruto do Espírito Santo é o amor. Em
particular, a igreja primitiva cuidava dos pobres, e compartilhava com eles
parte de suas possessões. Esta atitude deve caracterizar a igreja em todos os
tempos. A comunhão, a disposição de compartilhar, generosa e voluntariamente, é
um princípio permanente. A igreja deveria ser a primeira entidade no mundo na
qual se abolisse a pobreza. Conhecemos as estatísticas. O número de gente que
vive na miséria, sem cobrir as necessidades básicas para sobreviver, é aproximadamente
de um bilhão. A média dos que morrem de fome cada dia é de dez mil pessoas.
Como podemos viver com estas estatísticas? Nós cristãos que vivemos em países mais
ricos devemos ajustar nosso estilo de vida e viver com mais simplicidade. Não
porque cremos que isto vai solucionar os problemas
macroeconômicos do mundo, senão por solidariedade com os pobres.
Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja
generosa. A generosidade tem sido sempre uma característica do povo cristão
porque nosso Deus é um Deus generoso. Por isso, outra palavra que expressa a
atitude de generosidade é a palavra “graça”. Se Ele da tudo de graça, se nosso
Pai é generoso, Seus filhos também devem ser generosos.
O partir o pão se refere, sem dúvida, a Ceia do
Senhor. Provavelmente, além dos símbolos do corpo e do sangue de Cristo na
igreja primitiva havia também uma ceia compartilhada, um ágape. As orações que
se mencionam aqui não são as orações privadas mas sim as reuniões de oração.
Existem dois aspectos da vida de adoração da
igreja primitiva que são desejáveis em uma igreja renovada. Aqueles cristãos
mostravam equilíbrio nos dois sentidos.
Por um lado a adoração era formal e informal.
Isso deduzimos do versículo 46, onde nos é dito que adoravam nas casas e no
templo. É interessante que os primeiros cristãos continuaram adorando no
templo. Não abandonaram de imediato a igreja institucional; queriam reforma-la
de acordo com o evangelho. Seguramente não participavam dos sacrifícios do
templo, porque entendiam que os sacrifícios já haviam sido cumpridos definitivamente
com a morte e ressurreição de Cristo. No entanto, continuaram participando das
reuniões de oração no templo. Estas reuniões tinham certa formalidade, mas os
cristãos as suplementavam com reuniões mais informais e espontâneas nos lares.
Creio que aqui há uma lição importante para a
igreja contemporânea. Algumas igrejas são demasiadas conservadoras. Resistem a
mudanças, parecem feitas de cimento; seu lema parece ser a expressão litúrgica,
‘para sempre, pelos séculos dos séculos, amém...’
Nesse tipo de congregação os adultos precisam
escutar os jovens, e estes deveriam estar representados na direção da igreja.
Não é necessário que estejamos sempre de acordo com eles, porém devemos
escutar-los com respeito. Os jovens, por sua vez, entenderam que a maneira com
que Deus transforma a igreja institucional é mais pela reforma paciente do que pela
revolução violenta.
Não precisamos nos opor ao formal através do
informal; cada um é apropriado no seu momento. Precisamos os serviços dignos e
solenes no templo, mas também precisamos nos encontrar nos lares, onde podemos
ser mais informais e espontâneos. A adoração se enriquece tanto com a dignidade
como com a espontaneidade.
Um segundo aspecto do equilíbrio que guardava a
adoração na igreja primitiva era sua atitude de gozo e ao mesmo tempo
reverente. A palavra que traduz “alegria” no versículo 46 descreve gozo
exuberante. Deus havia enviado seu Filho ao mundo, agora havia derramado Seu
Espírito em seus corações... Como não iram estar alegres! O fruto do Espírito
Santo é amor, e também é alegria.
Podemos imaginar naqueles crentes um gozo muito
menos inibido do que as tradições costumam nos permitir. Algumas reuniões de
adoração parecem mais funerais. Todos estão vestidos de preto, ninguém sorri,
ninguém diz nada, tocam-se hinos com muita lentidão e toda atmosfera é lúgubre.
Por que? Alegremos-nos no Senhor! Cada reunião deve ser uma celebração alegre.
Contudo, a adoração da igreja primitiva também
se caracterizava pela reverência. Seus cultos não eram irreverentes. Se em
algumas reuniões o ambiente é funerário, em outros é demasiado leviano. Não
refletem a presença solene e soberana de Deus. Os primeiros cristãos não conheciam
esse erro. Quando o Espírito Santo renova a igreja, a enche de alegria e também
de reverência ante Deus.
Evangelização contínua
Finalmente uma igreja viva é uma igreja
evangelizadora. Até aqui, temos considerado no estudo, a comunhão e a adoração.
Lucas nos diz que a igreja era fiel e perseverava nas coisas. Esses eram os
feitos característicos da igreja, cheia do Espírito Santo desde o dia de Pentecostes:
aprendiam dos apóstolos, ajudavam uns aos outros, adoravam a Deus. Se a passagem
terminasse aqui, esta seria uma igreja incompleta. Não há referência sobre o mundo,
sua necessidades, sua alienação de Deus. Sempre é um risco tomar um versículo isolado.
Atos 2:42 é um versículo favorito e clássico e se tem feito muitas mensagens e discursos
sobre esta passagem. No entanto, se somente se faz referência ao versículo 42, todas
essas mensagem ficam desequilibradas. Não há ali uma descrição completa e harmônica
da igreja. Não poderíamos pensar em uma igreja como uma comunidade ocupada
unicamente de si mesma, como se tivessem abandonado o mundo necessitado que
está do lado de fora. Somente quando chegamos ao final da passagem se completa
a perspectiva:
Nesta breve referência podemos aprender alguns
pontos sobre a evangelização. O primeiro é que o Senhor mesmo acrescentava os
que haviam de ser salvos. O Senhor Jesus inclui cada dia novos crentes à
igreja. Certamente, Jesus Cristo delega aos ministros e líderes da igreja a
tarefa de admitir aos novos membros da igreja mediante o batismo. Porém somente
Ele pode os admitir na igreja invisível, quando se arrependem e confiam em
Jesus como Salvador e Senhor.
O ensinamento, o testemunho diário dos membros
da igreja e sua vida de amor aos demais, são os meios que Deus usa para fazer
chegar Sua mensagem ao mundo. Porém quem salva e incorpora novos membros a Sua
igreja é Jesus Cristo.
Vivemos em uma época que confia muito no
ativismo e na tecnologia. Sem dúvida, há de se fazer uso de toda tecnologia que
o Senhor tem nos dado. Porém temos que humilharnos diante de Deus e reconhecer
que somente Cristo pode abrir os olhos dos cegos, destapar os ouvidos dos
surdos e dar vida às almas mortas. A igreja hoje necessita ser mais humilde.
Um segundo ponto sobre a evangelização é que
Jesus fazia duas coisas, e estas devem sempre estar juntas. Acrescentava cada dia
à igreja os que iam ser salvos, quer dizer, não os acrescentava sem serem
salvos nem os salvava sem os acrescentar a igreja.
Salvação e pertencer à igreja são dois atos que
vão juntos. Em terceiro lugar, Jesus fazia isto cada dia. O Senhor fazia
crescer dia a dia a comunidade. A evangelização não é um assunto ocasional,
deve ser algo contínuo. Quando a igreja esta cheia do Espírito Santo, se abre
ao mundo necessitado de Deus e então as pessoas podem ser acrescentadas cada
dia à igreja.
Existem congregações que não têm tido um novo
convertido nos últimos dez anos; e se chegassem a ter um, não saberiam o que
fazer com ele, tão extraordinário é o fenômeno! Cultivemos a expectativa de que
o Senhor acrescente diariamente novos membros à igreja.
Fonte: Sinais de uma Igreja Viva, John Stott
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