quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Sinais de Uma Igreja Viva




Por: John Stott



Como é uma igreja viva?

É natural que para responder esta pergunta, voltemos ao relato de Pentecostes no livro de Atos. É bom que sejamos realistas na leitura. Costumamos ver a igreja primitiva com uma atitude idealista, romântica. Nos maravilhamos com seu ímpeto evangelístico, seu impacto transformador no mundo. Falamos dela com admiração, como se não tivesse defeito; nos esquecemos as heresias, as hipocrisias, as rivalidades e imoralidades que perturbavam a igreja primitiva tanto quanto a perturba hoje. Contudo, existe algo evidente: essa igreja primitiva em Jerusalém foi profundamente renovada pelo Espírito Santo. Qual era a evidência da presença e do poder do Espírito Santo? Se pudermos responder esta pergunta, poderemos também responder outra: Qual é a evidência da presença do Espírito Santo na igreja de hoje?Lucas descreve quatro marcas de uma igreja cheia do Espírito. Esses são traços que deveriam caracterizar a toda igreja aberta para a presença e o poder do Espírito Santo.





Ensinamento apostólico


Esta primeira característica é surpreendente e não muitas congregações a teriam em conta hoje. A igreja viva é uma igreja que está aprendendo, uma comunidade que estuda.

A primeira coisa que Lucas disse sobre esta igreja renovada pelo Espírito é que ela perseverava na doutrina dos apóstolos: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos” (Atos 2:42).

Poderíamos dizer que, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo abriu uma escada para a igreja. Os mestres da escola eram os apóstolos, a quem Jesus tinha escolhido e treinado: e havia três mil estudantes... na realidade, meninos do jardim de infância. Estes recém nascidos para a fé, convertidos e cheios do Espírito Santo, não estavam dedicados a desfrutar de uma experiência mística que os fizera se esquecer ou de arrazoar sobre o que criam. Pelo comentário, perseveravam na doutrina dos apóstolos e queriam aprender tudo o que fosse possível. Tinham fome da verdade e queriam sentar-se aos pés dos apóstolos e absorver seus ensinamentos.

A plenitude do Espírito Santo é incompatível com o antiintelectualismo. O Espírito de Deus é Espírito de verdade. Esse foi um dos títulos que Jesus mesmo o deu ao Espírito. Se quisermos estar cheios do Espírito, sua verdade será importante para nós.

Aqueles crentes primitivos não pensaram que bastava para eles a presença do Espírito Santo em seu interior para conhecer a verdade. Não deram por certo que, por haver recebido a plenitude do Espírito Santo, este era o mestre que precisavam, e que poderiam prescindir dos mestres humanos. Não foi assim na igreja primitiva. Os novos crentes sabiam que Jesus havia nomeado aos apóstolos para que fossem mestres da igreja, e procuravam aprender todo o possível e perseveravam na sua doutrina.

Como se aplica isto à igreja de hoje? O que significa para nós perseverar na doutrina dos apóstolos, ser fiel em conservar seus ensinamentos? Entendemos que já não há apóstolos na igreja. Pode haver ministérios apostólicos, como os que realizam missões, os plantadores de igreja, os líderes. Estas pessoas exercem ministério apostólico mas não podemos os chamar apóstolos. Ninguém na igreja atual tem uma autoridade comparada a de Paulo, Pedro ou qualquer dos apóstolos de Jesus Cristo. Eles tinham uma autoridade única para ensinar em nome de Jesus e ninguém tem essa autoridade hoje. Então, se não há apóstolos na igreja contemporânea, como nós podemos nos submeter aos ensinamentos dos apóstolos? Seus ensinamentos chegaram até nós pela Bíblia. O Novo Testamento é precisamente isso: os ensinamentos dos apóstolos. Esta é a única classe de sucessão apostólica em que cremos, a continuidade da doutrina apostólica por meio do Novo Testamento.

Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja bíblica, uma igreja neotestamentária, uma igreja apostólica. Nela se ensina as Escrituras. Os pais ensinam a Bíblia aos filhos. Os membros da igreja lêem e refletem sobre as Escrituras todos os dias. O Espírito de Deus dirige o seu povo a submeter-se à Palavra de Deus, e quando o faz, essa igreja se remova com a presença do Espírito Santo.




Comunhão e ajuda mútua


A segunda marca de uma igreja viva que descobrimos na leitura de Atos é o amor e o cuidado mútuo entre os crentes. Se a primeira marca é o estudo, a segunda é a comunhão.

A palavra comunhão que utilizam algumas versões é a tradução de koinonía. Este termo descreve aquilo que temos em comum, o que compartilhamos como crentes em Cristo. Isto se refere a duas verdades complementares.

Em primeiro lugar, compartilhamos a graça de Deus. O apóstolo João começa sua primeira carta com estas palavras: “Nossa comunhão é com o Pai e com o Filho, Jesus Cristo...” Paulo fala da comunhão que temos com o Espírito Santo. A comunhão autêntica é uma comunidade trinitária. Nós os crentes participamos em comum no Pai, no Filho e no Espírito Santo.

Há um segundo aspecto da koinonía. Também temos em comum o que damos. Este é o aspecto que Lucas dá ênfase. Em suas cartas, Paulo usa esta mesma palavra, koinonía, para referir-se a uma oferta que estavam dando as igrejas. O adjetivo koinónico significa “generoso” e, nesta passagem, Lucas descreve a generosidade dos cristãos primitivos:


“E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister.” (Atos 2:44-45)


Esta passagem nos perturba. Preferimos salta-la para evitar o desafio que ela encerra. Devemos imitar literalmente estes crentes? Quis Jesus que todos seus seguidores vendessem suas possessões e repartissem o que obtivessem delas? Sem dúvida, o Senhor chamou a alguns de seus discípulos a uma pobreza voluntária total. Esse é o chamamento que fez ao jovem rico, por exemplo. A ele, Jesus disse expressamente que vendesse tudo e o desse aos pobres. Este foi também o chamado de Francisco de Assis, na idade média, e provavelmente é o chamado de Madre Tereza, em Calcutá. Eles nos recordam que a vida não consiste na abundância dos bens que possuímos. Mas não todos os discípulos de

Cristo são chamados a isso. A proibição da propriedade privada é uma doutrina marxista, não cristã. Mesmo na igreja em Jerusalém, a decisão de vender as propriedades e dar tudo

foi uma questão voluntária. Quando passamos para o versículo 46, lemos que os crentes se reuniam “em suas casas”. Quer dizer, continuavam tendo casa e propriedades pessoais. Pelo visto, não haviam vendido todas as casas, seus móveis e suas propriedades! Contudo alguns tinham casas, e os crentes se reuniam nelas.

Não obstante, não devemos evadir do desafio destes versículos. Alguns suspiram com alívio porque não sugeri que devemos vender tudo e repartir-lo. Mas, mesmo que não seja nosso chamado particular, todos fomos chamados a nos amarmos mutuamente como faziam aqueles cristãos.

O primeiro fruto do Espírito Santo é o amor. Em particular, a igreja primitiva cuidava dos pobres, e compartilhava com eles parte de suas possessões. Esta atitude deve caracterizar a igreja em todos os tempos. A comunhão, a disposição de compartilhar, generosa e voluntariamente, é um princípio permanente. A igreja deveria ser a primeira entidade no mundo na qual se abolisse a pobreza. Conhecemos as estatísticas. O número de gente que vive na miséria, sem cobrir as necessidades básicas para sobreviver, é aproximadamente de um bilhão. A média dos que morrem de fome cada dia é de dez mil pessoas. Como podemos viver com estas estatísticas? Nós cristãos que vivemos em países mais ricos devemos ajustar nosso estilo de vida e viver com mais simplicidade. Não porque cremos que isto vai solucionar os problemas macroeconômicos do mundo, senão por solidariedade com os pobres.

Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja generosa. A generosidade tem sido sempre uma característica do povo cristão porque nosso Deus é um Deus generoso. Por isso, outra palavra que expressa a atitude de generosidade é a palavra “graça”. Se Ele da tudo de graça, se nosso Pai é generoso, Seus filhos também devem ser generosos.



 Adoração prazerosa e reverencia


 Os primeiros cristãos não eram só fieis em conservar os ensinamentos dos apóstolos na comunhão uns com os outros. Também se reuniam uns com os outros. Também se reuniam e participavam juntos “no partir do pão, e nas orações” (Atos 2:42).

 “E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração” (Atos 2:46)

O partir o pão se refere, sem dúvida, a Ceia do Senhor. Provavelmente, além dos símbolos do corpo e do sangue de Cristo na igreja primitiva havia também uma ceia compartilhada, um ágape. As orações que se mencionam aqui não são as orações privadas mas sim as reuniões de oração.

Existem dois aspectos da vida de adoração da igreja primitiva que são desejáveis em uma igreja renovada. Aqueles cristãos mostravam equilíbrio nos dois sentidos.

Por um lado a adoração era formal e informal. Isso deduzimos do versículo 46, onde nos é dito que adoravam nas casas e no templo. É interessante que os primeiros cristãos continuaram adorando no templo. Não abandonaram de imediato a igreja institucional; queriam reforma-la de acordo com o evangelho. Seguramente não participavam dos sacrifícios do templo, porque entendiam que os sacrifícios já haviam sido cumpridos definitivamente com a morte e ressurreição de Cristo. No entanto, continuaram participando das reuniões de oração no templo. Estas reuniões tinham certa formalidade, mas os cristãos as suplementavam com reuniões mais informais e espontâneas nos lares.

Creio que aqui há uma lição importante para a igreja contemporânea. Algumas igrejas são demasiadas conservadoras. Resistem a mudanças, parecem feitas de cimento; seu lema parece ser a expressão litúrgica, ‘para sempre, pelos séculos dos séculos, amém...’

Nesse tipo de congregação os adultos precisam escutar os jovens, e estes deveriam estar representados na direção da igreja. Não é necessário que estejamos sempre de acordo com eles, porém devemos escutar-los com respeito. Os jovens, por sua vez, entenderam que a maneira com que Deus transforma a igreja institucional é mais pela reforma paciente do que pela revolução violenta.

Não precisamos nos opor ao formal através do informal; cada um é apropriado no seu momento. Precisamos os serviços dignos e solenes no templo, mas também precisamos nos encontrar nos lares, onde podemos ser mais informais e espontâneos. A adoração se enriquece tanto com a dignidade como com a espontaneidade.

Um segundo aspecto do equilíbrio que guardava a adoração na igreja primitiva era sua atitude de gozo e ao mesmo tempo reverente. A palavra que traduz “alegria” no versículo 46 descreve gozo exuberante. Deus havia enviado seu Filho ao mundo, agora havia derramado Seu Espírito em seus corações... Como não iram estar alegres! O fruto do Espírito Santo é amor, e também é alegria.

Podemos imaginar naqueles crentes um gozo muito menos inibido do que as tradições costumam nos permitir. Algumas reuniões de adoração parecem mais funerais. Todos estão vestidos de preto, ninguém sorri, ninguém diz nada, tocam-se hinos com muita lentidão e toda atmosfera é lúgubre. Por que? Alegremos-nos no Senhor! Cada reunião deve ser uma celebração alegre.

Contudo, a adoração da igreja primitiva também se caracterizava pela reverência. Seus cultos não eram irreverentes. Se em algumas reuniões o ambiente é funerário, em outros é demasiado leviano. Não refletem a presença solene e soberana de Deus. Os primeiros cristãos não conheciam esse erro. Quando o Espírito Santo renova a igreja, a enche de alegria e também de reverência ante Deus.




Evangelização contínua


Finalmente uma igreja viva é uma igreja evangelizadora. Até aqui, temos considerado no estudo, a comunhão e a adoração. Lucas nos diz que a igreja era fiel e perseverava nas coisas. Esses eram os feitos característicos da igreja, cheia do Espírito Santo desde o dia de Pentecostes: aprendiam dos apóstolos, ajudavam uns aos outros, adoravam a Deus. Se a passagem terminasse aqui, esta seria uma igreja incompleta. Não há referência sobre o mundo, sua necessidades, sua alienação de Deus. Sempre é um risco tomar um versículo isolado. Atos 2:42 é um versículo favorito e clássico e se tem feito muitas mensagens e discursos sobre esta passagem. No entanto, se somente se faz referência ao versículo 42, todas essas mensagem ficam desequilibradas. Não há ali uma descrição completa e harmônica da igreja. Não poderíamos pensar em uma igreja como uma comunidade ocupada unicamente de si mesma, como se tivessem abandonado o mundo necessitado que está do lado de fora. Somente quando chegamos ao final da passagem se completa a perspectiva:


“E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. (Atos 2:47)


Nesta breve referência podemos aprender alguns pontos sobre a evangelização. O primeiro é que o Senhor mesmo acrescentava os que haviam de ser salvos. O Senhor Jesus inclui cada dia novos crentes à igreja. Certamente, Jesus Cristo delega aos ministros e líderes da igreja a tarefa de admitir aos novos membros da igreja mediante o batismo. Porém somente Ele pode os admitir na igreja invisível, quando se arrependem e confiam em Jesus como Salvador e Senhor.

O ensinamento, o testemunho diário dos membros da igreja e sua vida de amor aos demais, são os meios que Deus usa para fazer chegar Sua mensagem ao mundo. Porém quem salva e incorpora novos membros a Sua igreja é Jesus Cristo.

Vivemos em uma época que confia muito no ativismo e na tecnologia. Sem dúvida, há de se fazer uso de toda tecnologia que o Senhor tem nos dado. Porém temos que humilharnos diante de Deus e reconhecer que somente Cristo pode abrir os olhos dos cegos, destapar os ouvidos dos surdos e dar vida às almas mortas. A igreja hoje necessita ser mais humilde.

Um segundo ponto sobre a evangelização é que Jesus fazia duas coisas, e estas devem sempre estar juntas. Acrescentava cada dia à igreja os que iam ser salvos, quer dizer, não os acrescentava sem serem salvos nem os salvava sem os acrescentar a igreja.

Salvação e pertencer à igreja são dois atos que vão juntos. Em terceiro lugar, Jesus fazia isto cada dia. O Senhor fazia crescer dia a dia a comunidade. A evangelização não é um assunto ocasional, deve ser algo contínuo. Quando a igreja esta cheia do Espírito Santo, se abre ao mundo necessitado de Deus e então as pessoas podem ser acrescentadas cada dia à igreja.

Existem congregações que não têm tido um novo convertido nos últimos dez anos; e se chegassem a ter um, não saberiam o que fazer com ele, tão extraordinário é o fenômeno! Cultivemos a expectativa de que o Senhor acrescente diariamente novos membros à igreja.



Fonte: Sinais de uma Igreja Viva, John Stott

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